sábado, janeiro 14

“Estou a sentir a tua falta.” - Ela começou, os dedos trêmulos e os pensamentos transbordando, confusos, querendo escapar pelas mãos. - “Tu sempre foste tudo pra mim, e sabe disso. Sinto falta do teu cheiro de perfume de bebê, e de tu me contares as vantagens de usar shampoo de criança. Dizendo que os teus olhos nunca ardiam, e rias-te da minha cara quando eu dizia que isso era idiotice. E tu beijando-me na cama e acordando-me com gritos, ao invés de café da manhã com morangos. E indo preparar os tais morangos só depois do almoço, só pra depois deixar tudo cair e manchar tua blusa inteira. Aliás, eu adorava quando tu deixavas cair alguma coisa e ficava sujo o dia inteiro. Como um velho. Sinto falta da tua boca macia em contato com a minha. De nós deitados numa cama que não era de casal, espremidos, contando estrelas imaginárias no teto do meu quarto. E sonhando com o dia em que a gente ia casar de verdade, e colar aquelas estrelas verdes que brilham no escuro lá em cima, onde não havia nada. E dizendo que seriam mais bonitas do que as estrelas originais. Porque aquelas seriam nossas. E sinto saudade de nós, discutindo o nome do cachorro que pretendíamos comprar dali a uns cinco anos. E de tu apertares o meu nariz e me chamares de mimada. E de nós os dois escorregando pelo mercado, fazendo as compras pra minha mãe. E de ti, bravo, por eu encher o carrinho de iogurte, mesmo sem necessidade. Eu sinto falta do teu sorriso. E do teu nariz enrugado, quando tu querias teimar comigo e vias que na verdade estavas mesmo errado. Eu sinto falta de quando tu me pegava no colo, quando eu mentia que tinha torcido o pé só pra olhar o mundo lá do alto. Sinto falta da tua altura, que me obrigava a ficar na ponta dos pés pra alcançar os teus lábios. E dos teus olhos mortos, mas que brilhavam quando me viam chegar. E de ti com a boca toda suja de leite, e da tua risada quando eu te chamava de criança. E do teu nome. E do teu jeito turrão e impaciente de ser. E das tuas manias. De andar contigo pela rua em pleno sábado. De encher o saco dos meus amigos e fazer cócegas na minha irmã mais nova, pra ver se ela acordava mais rápido. E das piadas de loira que tu me contavas. E dos teus amigos idiotas que nunca foram com a minha cara. E do dom que tu tinhas de ignorá-los, quando começavam a falar desse assunto. Sinto falta do teu bolo com fermento demais, que explodiu e acabou sujando o fogão inteiro. E de nós dois limpando a cozinha e de tu escorregando sem querer. E do sorriso enorme que se abriu no teu rosto quando eu, preocupada, perguntei se tu te tinhas aleijado. E do teu abraço. Do calor do teu corpo em contato com o meu. Do “quase-lá” que fizemos uma vez. Da sua paciência quando eu recusei. E do teu pedido de desculpas, quando viu que estava mesmo tentando forçar as coisas. Da sua calça jeans preta que tu sempre usava pelo menos quatro vezes por semana, e do teu revirar de olhos quando eu dava minhas crises de ciúme. E até das tuas crises de ciúme sem necessidade. E até dos teus defeitos idiotas. E das nossas brigas, que terminavam com um beijo apaixonado que durava mais do que o normal. Estou a sentir a falta de tudo.”

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